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Pilha de compartimentos

A FARSA E A RAZÃO


Quando a realidade não é uma fábula.


Há uma farsa maior que a dos fatos que é a do próprio entendimento quando a mentira é útil e fervorosa. A falsificação de si mesmo tem que ser plenamente corroborada pela notícia, pela orquestra espontânea que propaga danos por egolatria intelectual e adere à desinformação por meio de clichês e adjetivos.


No Brasil de hoje, a verdade está tão longe de quem a preza quanto de quem a depreda. Faltam, tanto interpretações que a resgatem, quanto poemas que exorcizem as injúrias demoníacas.


(...) ressucita-me, para que não existam amores servis, para que ninguém tenha que se sacrificar por uma casa, um buraco, para que a partir de hoje a família se transforme, e o pai seja pelo menos o universo, e a mãe, NO MÍNIMO, a terra.


A poesia futurista de Maiakovski bem poderia ser um contraponto ao "fake news" que criminaliza e responsabiliza o MST pelo ataque à fazenda Igarashi, em Correntina na Bahia. Sem dúvida, as ações do MST são por vezes agressivas e costumam atacar os limites ético-traditivos da lógica proprietária, ou mesmo as regras do Estado de Direito, cuja eficiência democrática não se expressa de forma igualitária.


Mas o ataque à fazenda Igashi "foi feito por manifestantes que residem ao longo do Rio Arrojado e nos povoados de Praia, Arrogeando e São Manoel, e cujas propriedades estão situadas, boa parte delas, às margens do rio, do qual praticamente todos dependem para sobreviver" (Correio24horas).


Tem a ver com um corpo social desidratado, exposto às nervuras de uma violência horizontal e que deriva da ausência de métodos para enfrentá-la, quando o atraso moral de grandes empresas agrícolas tem mais influência no jogo "democrático" jurídico, o que faz com que uma parte da sociedade se sinta oprimida e outra parte indignada.


Não é surpreendente que os que se indignaram com a violência do ataque à fazenda sejam os mesmos que banalizam e se resignam com as vítimas de baixa renda da violência urbana, se resignando a vê-las morrer sem bater panelas.


A derrubada das torres em Correntina causa mais indignação que o caixão que transporta um jovem morto na favela em que nasceu. Antes de ser estudante, ou trabalhador, ou negro, ou filho de uma doméstica, ele é um suspeito.


MAS VAMOS AOS FATOS DE CORRENTINA


A briga sobre a exploração dos recursos hídricos na região é antiga. Um imbróglio que permaneceu sem grandes destaques de violência até o episódio recente. A água perdida no interior da Bahia tem o mesmo efeito das balas perdidas nas favelas do Rio de Janeiro. Causa revolta e indignação. Mas só causou repercussão quando seu caráter estético-político tornou-se ideologicamente possível.


O Comitê da Bacia do Rio Corrente já havia expedido deliberação para que não houvessem novas concessões para uso de recursos hídricos da bacia, o Ministério Público Estadual (MP-BA) já havia recomendado que o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão ligado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, não concedesse essas outorgas para grandes empreendimentos na bacia, e o projeto da Fazenda Igashi impactava drásticamente as comunidades ribeirinhas fortemente com queda constante de luz, redução da disponibilidade hídrica e sua demanda para os múltiplos usos.


Ele foi o estopim de uma crise que já vinha se arrastando na região contra outras concessões predatórias aos recursos hídricos de uso comum.


Segundo o MP, o Inema concedeu à Fazenda Igarashi o direito de retirar do Rio Arrojado uma vazão de 182.203 m³/dia, durante 14 horas/dia, para a irrigação de 2.539,21 hectares.


"Este volume de água retirada equivale a mais de 106 milhões de litros diários, suficientes para abastecer por dia mais de 6,6 mil cisternas domésticas de 16 mil litros na região do semiárido. Agrava-se a situação ao se considerar a crise hídrica do Rio São Francisco, quando neste momento a barragem de Sobradinho, considerada o “coração artificial” do Rio, encontra-se com o volume útil de 2,84 %.” (Correio24horas)


A água consumida pela população de Correntina - aproximada-mente 3 milhões de litros por dia, equivale a apenas 2,8% da vazão retirada pela referida fazenda do Rio Arrojado, ou seja, praticamente o volume útil da Barragem de Sobradinho. E não é somente a escasses de água que se amplia, mas também a queda de energia sistêmica em todas as comunidades do entorno ao projeto.


O que está em jogo no momento, não foi o ato de violência de cerca de 10 pessoas entre as 500 manifestantes, quando menos de cinco aparecem no vídeo derrubando as torres, e sim a deslegitimização da resistência ao monopólio criminoso da água por meio da criminalização que setores da mídia dão, SUPERPONDO o fato subjetivo do DANO AO PATRIMÔNIO ao fato objetivo da ESPOLIAÇÃO patrocinada pelo lobby e pelas margens legais de um ineficaz Estado de Direito.


Pois bem, não foram mujiques, bolcheviques, bolivarianos, cubanos, lulopetistas ou terroristas que atacaram a fazenda. E o projeto não é bem um bonzinho sítio do pica pau amarelo. Tia Anastácia sabe disso.


Foi a falta de consciência diante diante de uma realidade em que a razão, para quem sofre, não faz sentido algum.








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