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Pilha de compartimentos

DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA


Há algum tempo que eu não escrevo desinspirado que estou com a circularidade e tendência crítica de minhas próprias ideias sobre o Brasil e o mundo. Estou numa bolha nietzschiana que alcunho como "o crepúsculo os ídolos".


Porém, a foto farsesca do Kim com Trump, e aqui me abstenho da narrativa convencional, está por demais interessante de ficar olhando. É um quadro fabuloso independente do fotógrafo. Posaram para o mundo das incertezas em plena Copa do Mundo, com a mesma policromia do casamento de Harry com Meghan.


Me lembra "dois perdidos numa noite suja", peça de Plínio Marcos e cuja contemporaneidade está na imundice do encontro subatomicamente conflituado de Paco e Tonho numa hospedaria barata. Tonho inveja os sapatos de Paco, e os sapatos, como todos sabemos, é o primeiro ponto que olhamos para definir o status de alguém, mas pode bem ser um artefato nuclear de dissuasão da fraqueza "humana". Ao final, Tonho assassina Paco.


Se o universo da desigualdade econômica torna os seres sub-humanizados violentos e psicopatas, também tem o dom de pincelar, na capa de jornais, seu oposto: o hiper-realismo de líderes sociopatas dando as mãos. Palavrões, sujeira, escatologia, instinto assassino, misoginia, homofobia e outras formas de manifestação mental devem estar presentes nos bastidores desse escárnio imagético.


O simbolismo desse encontro explodiu na minha mente como uma rosa de Hiroshima sem dor, um cataclisma histriônico de minha consciência ante a surreal expressividade do fato. Dois caras que desdenham do senso comum de diplomacia, gostam de apostar suas fichas que valem o fim do mundo e possuem apetites sexuais diametralmente opostos: seios grandes e pés pequenos. Como divergir desses caras.


Kim Jong-un ameaçou recentemente "afundar os EUA", e Trump destruir a Coreia do Norte. Às vezes, nos bairros mais violentos do Rio, a sugestão vale como estratégia para intimidar o adversário. Mas nunca imaginei um jogo de empurra-purra de um presidente americano e um líder coreano.


Com mais de mil bases militares espalhadas no mundo, a maior e mais ofensiva agência de inteligência do planeta, a capacidade de fazer guerras por procuração, controlar midiaticamente a informação e desestabilizar governos por meio das novas engrenagens de soft power, que unem redes sociais, judiciário e os principais grupos empresariais e de comunicação de países alvos da sua geopolítica, os EUA conseguiram celebrizar um encontro tão inimaginável quanto maligno. A natureza sub-reptícia e política da cópula pode ter razões que a minha razão desconhece, mas não é a paz.


O que esperar de um encontro em que a águia quer envenenar a cobra e esta quer voar?


Recentemente Kim Jong-un assegurou como antagonista de um filme de espionagem de quinta categoria, sua capacidade de atacar a américa:


"Agora somos capazes de apunhalar pelas costas a Coreia do Sul e os EUA com um punhal de destruição em qualquer momento que desejemos".


"Os porta-aviões de (dos EUA) vanguarda se assemelham a um animal gordo aos olhos das forças navais do Exército Popular da Coreia".


Por outro lado, segundo deu no canal Fox recentemente, o pastor da Primeira Igreja Batista de Dallas e conselheiro espiritual do Presidente americano, Robert Jeffress, disse o que costuma aconselhar a Trump:


"Deus deu autoridade para ele [Trump] eliminar Kim Jong-un".


Ou seja, para muito além de Shakespeare, o mato sem cachorro deve significar alguma coisa maior do que sonha nossa vã e prosaica imprensa.


Quando dois psicopatas que se ameaçam publicamente sem nenhum pudor resolvem, numa festa colorida e ritualística, apertar as mãos como bons samaritanos, bem poderia ser efeito de remédio se estivessem internados. Entretanto nenhum dos dois é totalmente maluco, apesar de insanos. Mais provável que seja uma espécie de festa para o público que visita o sanatório.


O fato é que a gente sabe quem é o empreiteiro Donald Trump, suas promiscuidades sociais e linguísticas, suas ideias islãmofóbicas (nem sei bem como se escreve isso), seu gosto por cassino, mulheres, supremacia e guerra. O jornalista Pepe Escobar o definiu como uma mistura de Nero e Calígula.


Quanto ao líder coreano, ninguém sabe direito sobre sua personalidade além do que aparece no noticiário especulativo. Sabe-se que exilou o irmão porque foi pego tentando visitar o Parque da Disney, no Japão, usando um passaporte falso, e que depois foi envenenado. Pode ter sido o próprio, o irmão, um(a) amante ou a CIA. Ou pelo outro irmão, que foi desconsiderado como herdeiro do "trono" por ser "efeminado". Dizem as más línguas do jornalismo suspeito que ele mandou matar o tio, que ameaçava derrubá-lo.


De qualquer modo, a melhor especulação que ouvi sobre o líder coreano e que paira na expectativa de quem assiste o encontro-espetáculo, foi dada pelo historiador John Delury, professor da Universidade Yonsei em Seul, em entrevista à BBC.


“A lição que os norte-coreanos aprenderam com a invasão ao Iraque é que, se Saddam Hussein realmente tivesse armas de destruição em massa, ele poderia ter sobrevivido”.


O único porém é que o Donald Trump não raciocina como os americanos sentem e sim como eles idealizam. E Kim Jong-un não é um avestruz.

Alea jacta est.



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