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O PATÉTICO LABIRINTO DO RESGATE DE JULIANA MARINS: UMA CRÔNICA DE INCOMPETÊNCIA E NEGLIGÊNCIA

Em meio a conversas de bar, convivi nos últimos dias com as notícias já banalizadas do massacre de Gaza e da Guerra de Israel com o Irã. Algumas notícias em terceiro plano sobre Rússia e Ucrânia e o campeonato mundial de clubes nos EUA. Nos bastidores de tudo isso uma família tentava encontrar meios para resgatar a filha e irmã Juliana Marins,

que no último sábado, 21 de junho de 2025, por volta das 4h locais (13h de Brasília), com apenas 26 anos, despencou de um trecho resvaladiço da trilha que contorna o Monte Rinjani, na ilha de Lombok, Indonésia.


Fato é que desde então passei a acompanhar angustiado as parcas notícias, apesar do destaque, que a mídia divulgava sempre com 10 horas de antecedência. O tom midiático começou e terminou de maneira fleumática, frígido e conformado com a própria incapacidade de analisar o festival de negligência do parque e do Governo local.


Embora estivesse acompanhada de seis turistas e dois guias, Juliana foi deixada sozinha em um ponto crítico quando pediu licença para descansar — um abandono brutal que precedeu a queda mortífera. Foi deixada em meio a neblina, ao precipício, a escuridão e sem nenhum equipamento de apoio ou sobrevivência como deveria ser exigível num local que outras nove pessoas morreram segundo consta.


Em entrevista ao jornal O Globo, o guia Ali Musthofa confirmou que “esperou 3 minutos” à frente de Juliana antes de prosseguir, alegando ter voltado ao notar demora excessiva. No entanto, relatos da família apontam para mais de uma hora de total desassistência, tempo mais que suficiente para que a desorientação se instalasse e culminasse no acidente


DRONES, FALSAS PROMESSAS E UM RESGATE INÓCUO


Logo que a luz de sua lanterna foi capturada por um drone operado por turistas, tornou-se evidente que Marins ainda estava viva e implorava por socorro ﹘ presa em uma fenda a aproximadamente 200–500 metros abaixo da trilha principal. Mesmo assim, informações enganosas circularam imediatamente: um vídeo forjado de suposto atendimento, relatos de entrega de água e agasalhos e até posicionamento equivocado da Embaixada do Brasil em Jacarta, que admitiu ter repassado dados imprecisos oriundos de autoridades locais.


Enquanto o mundo assistia, vulnerável à espuma midiática de “resgates bem-sucedidos”, equipes trocavam mensagens inúteis, sem sequer garantir cordas com comprimento adequado ou veículos aéreos — embora helicópteros tivessem sido cogitados e imediatamente descartados por “condições climáticas adversas”. Mas foram três dias em que o tempo amanhecia bom e helicópteros não decolaram ao menos para levar equipes e suprimentos de apoio. Segundo as informações que chegavam, as equipe tinha que escalar 6 horas até o ponto da queda e depois começar a descer. O que entrou em erupção após a queda foi a contumaz negligência, frieza e incompetência do parque, dos órgãos de segurança e do governo na gestão dessa crise.


CONDIÇÕES EXTREMAS VS. AUSÊNCIA DE PROVIDÊNCIAS URGENTES


O terreno íngreme, a neblina cerrada e as bruscas oscilações de temperatura são desafios antigos e conhecidos de qualquer provinciano local, são inerentes ao Monte Rinjani cujo vulcão ativo atinge 3.721 m de altitude. Ainda assim, a resposta das autoridades locais — manifestamente despreparadas — beirou o ridículo:


Nenhum planejamento para deflagrar providências de suporte e garantia para uma operação rápida. Todo dia começava e todo dia parava. Foram quatro dias de inconsequências, de uma equipe capenga atuando com a falta de equipamento básico como cordas insuficientes, ausência de macas de resgate e equipamentos de rapel apropriados. A comunicação seria menos patética se usassem tambores. Redes de rádio que não suportavam o relevo resultando em orientação tardia aos socorristas e até mesmo permitir aos gestores do Parque ter ciência da realidade. É uma turma incapaz de tomar conta sequer de uma praça em qualquer lugar do mundo.


Outro fato consiste em estratégia nula: nenhuma equipe de pronto atendimento na aérea foi organizada durante três dias. As tentativas de escalada noturna foram sempre interrompidas após breves “inspeções” descoordenadas. O parque só foi fechado depois de três dias.


O resultado disso foram vários esforços fracassados e a consolidação de uma espera agonizante que acabou ceifando a vida da brasileira numa novela de falsas esperanças e gestão sórdida demais por parte do governo pra ser tratada com tanta parcimônia pela grande mídia.


Diante das condições extremas — temperatura próxima de 5 °C à noite, ventos cortantes, falta de alimento, água e abrigo térmico — soma-se o fato de Juliana ter escorregado novamente, deslizando mais 150–300m até ficar completamente imóvel numa sucessão de quedas, a moça provavelmente entrou em hipotermia grave com perda de calor corporal já na primeira noite e agravada pela umidade e ventos fortes.


Imaginem que nos bastidores dessa tragédia individual haviam dezenas de pessoas descoordenadas e desequipadas fingindo fazer e acontecer enquanto Juliana já no segundo dia entrava em desidratação severa, sem acesso a água potável e com o organismo caminhando para um colapso em 48–72 horas e sob condições frias e extenuantes.


Também deveria ser claro aos guias, aos socorristas, ao Parque e ao Governo, que havia grande probabilidade de Juliana ter sofrido traumatismos internos, lacerações e fraturas que sem atendimento imediato podem ter desencadeado hemorragias internas. Ou seja, tudo requeria urgência!


Considerando que o drone a flagrou viva por volta de 10h de domingo, 22 de junho, e que só foi encontrada morta hoje, já manhã de terça-feira, 24 de junho, o óbito provavelmente ocorreu entre a tarde de segunda (23/06) e as primeiras horas de terça (24/06), quando já havia não havia registros de movimentos — um intervalo em que nenhuma iniciativa eficaz de socorro foi providenciada ante uma família por demais atônita e incapaz de fazer mais do que fez.

A conclusão foi a tragédia prenunciada por todos nós que sabíamos as dificuldades e não sabíamos as consequências da improvidência. O caso de Juliana Marins não foi um infortúnio natural, mas o desfecho previsível de um resgate desastroso. A sucessão de omissões, informações falsas, falta de preparo técnico e comunicação deficiente transformou um pedido básico de socorro em espetáculo internacional de incompetência.


A morte de Juliana é fruto não apenas da queda inicial, mas da falência de um sistema de emergência que provou ser tão traiçoeiro quanto a trilha que ela ousou vencer. Também demonstra o quanto a mídia é operária e senil na transmissão dos fatos. Se dedicou a publicar de forma sistemática "fatos", apenas fatos, declarações e nenhuma análise crucial, nenhuma crítica que impactasse providências.


Em meio as larvas do cinismo e da alienação que norteiam as narrativas geopolíticas, a Juliana é a expressão vulcânica das crianças que morrem em Gaza. É apenas o silêncio de uma lanterna apagada no abismo.

 
 
 

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