Nunca se vendeu tanta coxinha quanto nos últimos quatro dias na Rocinha. O novo espaço cenográfico do Rio fica no caminho do Projac. Mais precisamente entre o apartamento do Cesar Mais em São Conrado e o do Moreira Franco na Lagoa, cujos valores imobiliários dão mais de 8 milhões de reais. Entretanto é numa brenha de extrema densidade urbana e humana, cercada de mata e trilhas complexas que se esconde o atual líder do tráfico da Rocinha, dono da tal geladeira de R$ 13 mil reais.
É por demais surreal esse enfrentamento na medida em que teve como motivação a invasão de mais de 50 homens armados de outras favelas para destronar o Rogerio 157. Ninguém sabe onde está esse pequeno exército do tráfico que teve tempo suficiente para se evadir e dispersar antes da chegada das forças armadas e a polícia. Imagine que a falta de um ofício do Estado para o Ministro deu fuga à rapaziada. A burocracia oficiosa do Ministro, que do alto de sua empáfia falava em problema de comunicação, junto com o dissimulado argumento do Secretário de Segurança de que não havia desentendimentos, me suscitam uma imagem pornográfica onde os dois, juntamente com o Nem, faziam ménage a trois assistindo Miriam Leitão no Jornal Nacional.
A propósito, alguns dos que foram presos pertencem à própria Rocinha e outros não foram identificados. Os outros pegaram o metrô no Jardim Oceânico.
O Ministro da Defesa e representantes do Governo do Estado, após seus discursos pornográficos e ante um cenário de espetacular descontrole na política de segurança resolveram mandar o Exército, a Marinha e a Aeronáutica para o morro. É risível e revoltante ao mesmo tempo que dá náuseas assistir tanta insuficiência intelectiva.
As forças de segurança divulgam e a imprensa mimetiza, que a ação responde a um comando estratégico, repetindo insistentemente o termo "trabalho de inteligência". E todo dia apresentam relatórios de prisões e apreensões no desejum da zona sul. Descobriram que existem cientistas e alta tecnologia no sistema policial.
Na porta da Rocinha, segundo relatos, ouve um engavetamento de soldados do exército acuados no cantinho das paredes. Não acredito em ereção em massa e sob tensão, mas dizem, que na Segunda Guerra Mundial os soldados britânicos podiam usar até três folhas de papel higiênico por dia e os americanos podiam usar cerca de 22. Não existem registros sobre se havia estoque de papel higiênico para os quase mil soldados encoxados na entrada da favela. E o pior, sequer um banheiro químico. O recruta tinha que pedir permissão ao Sargento para ir enfrentar uma fila gigantesca nas biroscas. Aproveitava e comia um coxinha.
Pelo andar da carruagem, o "Lula" pretendido é a prisão do Rogerio 157 junto ao sentimento de conquista territorial, o que atende a dois objetivos típicos da morbidez política dos tempos atuais: primeiro, a vitória de Pirro da segurança pública, cuja falsa sensação de pacificação vai durar o tempo de outro time entrar; em segundo, vai servir apropriadamente à vingança do Nem e dos próximos mandatários. O jogo de gato e rato que os políticos travam com a criminalidade não tem objetivo possível porque o pardieiro da pobreza incrustada na floresta urbana se prolifera como emu no deserto australiano. Dos seus apartamentos com varanda, a classe média embota e pede a volta dos militares como signo da derrocada rebu(sic)blicana.
Para ilustrar, lá pelos idos de 1930, tal como as populações do Complexo do Alemão e da Rocinha, a das aves emu na Austrália estava crescendo fora de controle, com quase 20 mil dos animais correndo pelo deserto e causando danos às plantações. Em resposta, o exército australiano enviou um contingente de soldados armados com metralhadoras para matar os emus – e até declararam guerra. O conflito começou no meio de novembro, e o que parecia fácil se mostrou complicado: os emus eram muito resistentes e mesmo após vários tiros, eles continuavam correndo.
Não é mera semelhança que a guerra emu durou quase uma semana, até que o major Meredith, comandante da força tarefa, desistiu devido à baixa efetividade. Mas naquela ocasião os emu não tinham uma liderança a ser capturada. No caso da Rocinha temos o chefe do tráfico, juntamente com sua TV de 60 polegadas e tela curva são os troféus.
Não sabemos como vai terminar o sofrimento dos moradores. Por enquanto, o NEM, através do apoio obtido com a maioria das facções que comandam seus territórios dos presídios, ganhou a guerra. Vai faltar muita coisa para o orgasmo ser completo. Na lista dos protofascistas estão a cura gay, o esquerdismo, o MST, a CUT, o PT, os funkeiros, os pivetes, classe C no avião, as estatais, os índios, as feministas, os maconheiros, a Maria do Rosário, o Lindbergh e a Gleisi Hofman.
De qualquer modo, os territórios do tráfico são espaços geopolíticos de dimensões subterrâneas e com uma alta taxa de natalidade de novos soldados. Há um traço de heroísmo kármico muito semelhante ao das guerras gregas de resistência, nos jovens que crescem na entropia da violência e assimila o processo ideológico da criminalidade.
A guetificação e falta de infraestrutura educacional, de saúde, geração de renda, assistência social, saneamento e segurança, com ausência quase total da presença dos serviços públicos, na maioria das favelas do Estado, funciona como agente reprodutor e fermentador do crime e da violência. A diferença entre favelas que possuem melhor infraestrutura e outras mais desassistidas é evidente.
E no caso da Rocinha o fenômeno é ainda mais atípico porque a favela fica próxima da região de maior consumo e distrbuição de drogas, que é a Zona Sul, assim como seus pontos sempre foram alvos de disputa de outros bairros da Zona Sul, cujos investimentos não contiveram seu adensamento comunitário e a demanda por serviços públicos estruturantes no cerne de uma população que está perdendo o emprego e vendo suas chances de uma vida poluir a vista de São Conrado.
A tragicomédia está no fato de que as forças de segurança ali dispostas, tal qual uma mistura de Exército de Brancaleone com Bope, equipamentos bélicos e boletins diários a tentar demonstrar uma conquista impossível, continuarão a enxugar gelo e posar para a mídia. A paz, nos termos de uma guerra sem objetividade e disassociada de um plano para o futuro, visando salvar as crianças do latrocínio mental a que são expostas em meio ao caos cognitivo do governo, é impossível de ser atingida.
Lá na Rocinha ou nos outros bairros da cidade, principalmente nas comunidades mais pobres, jovens, mulheres e adultos que não escolheram o tráfico como opção de vida ainda vão morrer à margem dos teatros de operação montado por especialistas em segurança pública que, como fungo parasitário de uma ordem apodrecida, não resistem sequer ao exame macroscópio do nosso vernáculo.
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