top of page
Pilha de compartimentos

EFEITO BUMERANGUE


Em artigo publicado no EL PAÍS, a advogada Thaís Dantas faz uma síntese da resultante dos cortes de investimento nas áreas sociais do governo e mostra como crianças e adolescentes se tornarão vítimas da nossa apatia e falta de compre-ensão.


Edgar Morin dizia que “um pensamento mutilado leva a decisões erradas ou ilusórias”.


Estou um pouco cansado com o pensamento linear, ilusório e insignificante para a compre-ensão desse ponto de inflexão crítica em que se encontra o país. E me espanto com o fato de que doutos personagens da vida acadêmica, pública e até mesmo das correntes ditas progressistas, naufragam na incapacidade de oferecer saída aos indicadores que apontam as políticas de governo para consequências mais graves.


A incapacidade da sociedade se unir em torno das prioridades econômicas e sociais reduziu tudo a uma visão recortada pelos temas prevalecentes da lava jato / cor-rupção e eleição. A direita xucra persiste idiotizada no espaço discursivo da da luta contra a corrupção, e a direita elitizada, que se proclama liberal, no espaço da macroeconomia. No campo oposto, o amplo leque que vai do centro (que no fundo é uma direita progressista) à esquerda, supõe que o aprofundamento da crise vai permitir capitalizar a "insatisfação" popular. Ninguém enxerga que o ovo da serpente tem cara de ovo de páscoa.


A EMENDA CONSTITUCIONAL 95

O espectro social e político da Emenda Constitucional 95 de 2016, que instituiu o Novo Regime Fiscal, o chamado teto de gastos públicos, não está na pauta de discussões porque a relevância técnica do tema não tem visibilidade ao discernimento eleitoral da maioria da população.


Mas é preciso ter em mente, como enfatiza Thaís, "que em cenários de crise e escassez, crianças e adolescentes são os mais prejudicados". E isso adquire contornos dramáticos quando convertido em dados estimativos que ela destaca.


Segundo estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a política de austeridade instituída pela Emenda 95 será responsável por um aumento de 8,6% na mortalidade infantil até 2030, pois deixarão de ser evitadas 124 mil internações e vinte mil mortes de crianças de até cinco anos.


Ainda, nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2016 afirmou que, em vinte anos de aplicação da referida emenda na política de assistência social brasileira, haverá menos da metade dos recursos necessários para garantir a manutenção da cobertura nessa área nos padrões atuais, o que afetará diferentes programas estatais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, por exemplo.


Reduzir o acesso ao Bolsa Família, inclusive, vai na contramão do recomendado pelo Banco Mundial o qual defende a necessidade de ampliação dos recursos neste programa a fim de mitigar os impactos da crise econômica brasileira no agravamento da desi-gualdade social.


Relatório do Unicef apontou que diminuição e corte nos serviços em saúde, educação e nutrição geram ainda maior pressão sobre as famílias vivenciando perda de renda e desemprego, o que aumenta índices de ansiedade e estresse nas crianças, especialmente nas mais pobres.


É importante pontuar que a emenda 95 é fruto de uma escolha política, que optou por congelar despesas primárias, responsáveis pela oferta de bens e serviços à população, ou seja, pelo investimento social, e manter as despesas financeiras intactas. Se, antes da emenda 95, já tínhamos índices de investimento nas áreas de educação e saúde considerados baixos, a tendência após a medida é piorar.


Nesse cenário apontado por Thaís, escolhas políticas graves são tomadas na mesma escala de decisões pautadas por cálculos econômicos sem estudos de impacto sobre a população.


Ela cita a Medida Provisória 859 de 2018, "que abriu crédito extraordinário superior a nove bilhões em favor dos Ministérios de Minas e Energia e da Defesa, por meio de cancelamento de gastos em programas como Criança Feliz e Rede Cegonha, bem como cortes nas áreas de assistência social, saúde e saneamento básico - os quais, sabidamente, irão impactar de maneira grave crianças e adolescentes".


Nesse contexto, todo investimento em segurança e repressão que se está fazendo agora, se financia equipamentos, treinamentos, contingentes humanos e plane-jamento na luta contra o crime, retroalimenta a violência futura que deriva da relação cortes em programas sociais x aumento populacional. O crescimento das desigualdades e da violência é uma semente espalhada ao vento pela mutilação do pensamento.


Enxergar essa mutilação não é tão fácil. E reproduzir a noção que demoniza a política e vitimiza a sociedade é a face extrema e facilitadora de uma política cada vez mais excludente. E que ao colocar em risco permanente crianças e adolescentes, serve de aleitamento ao próximo bandido que terá de matar.


Longe de políticas econômicas e sociais que garantam um mínimo de proteção social para crianças e adolescentes, o governo desafia as leis e sobrevive ao tiroteio de uma sociedade que atribui à corrupção as raízes de todos os males. E isso é uma deseducação suspeita, pra não dizer uma imoralidade.


O COMBATE A CORRUPÇÃO COMO UM DOS FATORES DA CRISE


O PIB de 2017 totalizou R$ 6,6 trilhões. Até agora, segundo dados do Ministério Público Federal, a Lava Jato recuperou somente algo em torno R$ 759 milhões (que foram devolvidos aos cofres públicos), e cerca de R$ 3,2 bilhões que estão bloqueados pela Justiça, à espera de uma decisão sobre o destino do dinheiro (apesar de ser comum falar em mais de 11 bilhões de reais amarrados em acordo de delação e restituição por danos que podem durar décadas).


Ou seja, apenas zero vírgula qualquer coisa por cento do PIB do ano passado foi efetivamente recuperado. E note-se que são valores correspondentes a uma década de praticagem de ilícitos.


Segundo dados da FGV, para apurar os bilhões de desvios, procuradores bloquearam todos os contratos da Petrobras, de outras estatais e órgãos públicos, provocando o desmonte e o enfraquecimento do parque petroquímico brasileiro, da construção pesada nacional e sua cadeia produtiva (em processo de internacionalização), dos estaleiros, do setor energético e de empresas estratégicas como EMBRAER e Eletrobrás.


Segundo estudo da consultoria GO Associados antecipado ao G1, somente em 2015 os impactos diretos e indiretos da Operação Lava Jato na economia tiraram R$ 142,6 bilhões da economia brasileira, o equivalente a uma retração de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto).


De certa forma as mudanças do modelo econômico estão associadas, e foram permitidas pelo conjunto da nação, no âmbito da cortina de fumaça que eclodiu num espetacular combate à corrupção. E qualquer crítica ao seu modus faciendi é duramente atacado e marcado como um movimento de defesa da corrupção.


Mas como águas passadas não movem moinho, e a economia já está derrubada, a questão central passa a ser que escolhas fazer diante da ausência de intervenções profundas nas áreas de educação, assistência social, moradia, emprego e renda. Qual o impacto futuro das medidas atuais sobre a taxa de mortalidade, o IDH, a violência em todas suas formas, o crime organizado, etc.?


Por todas essas razões é importante pensar nas próximas eleições com muito cuidado. É preciso destacar que as crianças e os adolescentes são as maiores prioridades. É preciso saber que somos inescapáveis à trajetória do bumerangue.


bottom of page