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Pilha de compartimentos

Intrigas Palacianas

Por Sylvio Nunes



Mergulhado no universo da política e da vida empresária, 68 anos transitando pelo caminho quase surrealista do "poder", hoje eu resolvi escrever um artigo sobre a ingênua trajetória de vida que nos arremete a escolhas pensadas e impensadas. O imprevisível e o inauscultado num front onde a tergiversação é tão perigosa quanto nos parecem as redes sociais.


Não se trata de uma crítica ao poder e sim de um ensaio crítico e instrutivo sobre os bastidores e o proscênio das intrigas palacianas. Tudo que observei nos escaninhos da burocracia do setor público em que trabalhei, nas empresas privadas e em diversos instituições de ensino e projetos que dirigi.


Cito muito em minhas conversas, Ortega y Gasset, quando diz que "o homem é o que é e suas circunstâncias". Então ele pode ser ético, leal, competente e suas circunstâncias não o favorecerem. Ou pode ser que as circunstâncias o tenham favorecido, mas a dinâmica da sevidão voluntária acabem por urdir a frágil tessitura de quem não resiste às distensões do corporativismo.


Assim, eu relato um tanto do que a minha maturidade e as minhas circunstâncias revelaram, para tentar explicar, com sabedoria pacífica e relativa compreensão, as razões e motivos que que instigam a inevitabilidade das refregas silenciosas que nos cercam. Não há como ser delicado nesse "front", circunspecto ou afetuoso. O paradoxo está em que também não tenho como destrinchar o peixe do poeta em mim. In dubio, absolvo o constrangimento que habita minhas convicções.


Qualquer que seja o cargo ou emprego que você ocupa, em se tratando de uma empresa pequena, média ou grande, vai ser preciso passar pelos os corredores que fazem parte das "cortes" onde se desenrolam dramas dignos das mais sofisticadas intrigas palacianas da sua história. Pode parecer exagero, mas uma fábrica, uma corretora de seguro, os escritórios de governo, as burocracias das administrações ou das finanças, possuem, em essência, a arquitetura simbólica de outro tipo de arena: aquela onde seu adversário não te ama, mas comemora seu aniversário;


O desejo de ascensão, o anseio por proximidade com o poder e a disputa pela influência formam o cenário perfeito para uma competição muitas vezes invisível aos olhos menos treinados, mas que pode ser surda ou devastadora em seus efeitos. Mouca, para não dizer louca.


O CEO moderno, tal qual um monarca, centraliza decisões e define os rumos da organização. Seu gabinete, ou os espaços em torno do qual se reúnem decisores, planejadores ou fazedores, tornam-se o epicentro de um sistema de influências, onde a proximidade física e relacional representa acesso privilegiado aos recursos mais valiosos da corporação: informação e oportunidade.


Estar próximo do "rei" não é apenas uma questão de status, mas um ativo estratégico que pode determinar carreiras inteiras. E o "rei", por razões dialéticas, não percebe o burburinho "emocional" à sua volta. Se acostumou com a miragem de que essa percepção não é relevante. A arquitetura corporativa materializa gestores e cristaliza relações de poder que influenciam diretamente nas dinâmicas organizacionais. Mas também tem o dever de inspirar resiliência, esperança e determinação. Entre uma visão insípida e quadrangular, onde se tende a enxergar a realidade em cubo, o "rei" não enxerga o tesserato.


No teatro corporativo, seja ele público ou privado, as manobras para conquistar a confiança da liderança e, simultaneamente, prejudicar os adversários são realizadas com soluções cirúrgicas. O cortesão moderno domina a arte sutil de apresentar soluções para problemas ainda não percebidos, antecipando-se às necessidades do líder e criando uma aura de indispensabilidade. Não é um palco shaekespereano, e sim, como citei anteriormente é o proscêncio, a ribalta.


As reuniões também são palcos onde cada intervenção é meticulosamente calculada. O executivo habilidoso sabe quando concordar entusiasticamente com uma proposta de liderança e quando sutilmente semear dúvidas sobre as ideias de seus concorrentes. A manipulação da informação através de pequenos comentários aparentemente inocentes – "Curioso que o relatório do 'Jeremias' não tenha abordado aquele risco que mencionamos anteriormente" ou, "O 'Jeremias' erra com frequência e não entende o que está fazendo" – serve como instrumento eficaz para minar a posição alheia.


No ambiente corporativo moderno, a comunicação transcende sua função informativa para tornar-se ferramenta de posicionamento estratégico. O e-mail com cópia para os superiores hierárquicos destacando sutilmente os próprios sucessos ou as falhas alheias; a intervenção calculada em reuniões ampliadas; a captura do mérito por iniciativas coletivas – todos estes são componentes do arsenal comunicativo usado nas disputas intencionais por poder.


Fui pesquisar sobre conflitos corporativos e encontrei muitas similaridades com as cortes medievais. Ontem mesmo vi no Netflix o "Último Duelo", dirigido por Ridley Scott, um filme que conta a história a partir de diferentes pontos de vista, mostra como a verdade pode ser subjetiva e como a memória e a narrativa podem ser manipuladas. Apesar de ser um filme que parece focar mais em mostrar a mulher sem direitos e vista como propriedade na sociedade medieval, o filme retrata os bastidores do poder onde intriga e bajulação controlam a dinâmica das decisões políticas.


Da mesma forma, as alianças no ambiente corporativo são frequentemente transitórias e oportunistas. Raros são os funcionários rivais que não se unem temporariamente contra um terceiro que represente ameaça maior a ambos. Seja por ciúme, astúcia ou inveja ("tristeza pela felicidade alheia"), os comentários ressoam em escala controlada, pausas e eloquências posturais. Se um astrônomo competente diz que um satélite está fora de órbita, pode ser que demore para descrer dessa inverdade matemática. Um astrolábio em mares turbulentos não fornece leituras precisas.


Normalmente, departamentos e equipes formam blocos de poder que negociam apoios mútuos em troca de recursos, influência ou benefícios. O patrocínio vertical (mentoria de um superior) e as conexões horizontais (rede de aliados em posições equivalentes) formam o tecido de proteção que permite a sobrevivência em ambientes competitivos.


O isolamento, por outro lado, representa vulnerabilidade extrema, tornando o executivo alvo fácil para manobras de exclusão ou sabotagem. E o "Rei" não tem como perceber porque, de certa forma, torna-se sempre um aliado da "utilidade" e não da "programação". Apesar disso o isolamento nem sempre representa ausência de competência. Pode significar o desprezo obnubilado do líder na cadeia alimentar que nutre o processo. No xadrez do poder grandes reis se destacaram por nutrir as camadas inferiores e equilibrar a origem das fontes de informação. Quando ele perde a capacidade de se relacionar com os de baixo só garimpa pepitas de sua rede de influência. Passa a reinar numa colcha mimética de poder. O mosaico multicorido dos afetos é onde se esconde a imaturidade do método.


A arte da sabotagem corporativa especificamente nem sempre envolve ataques frontais. Em vez disso, manifesta-se através de pequenas ações aparentemente desconectadas: o "esquecimento" de incluir um colega em uma comunicação crucial; a sugestão de que determinado projeto seja revisado com justiça quando estiver próximo de sua conclusão; a transferência secreta da responsabilidade de um erro; a confidência fake de um acontecimento ao chefe; o questionamento da estratégia orçamentária de uma iniciativa bem executada.


Quando realizadas com maestria, essas intervenções nem sempre são percebidas como ataques diretos. Pelo contrário, apresentam-se como contribuições construtivas, propostas legítimas ou simples descuidos administrativos, enquanto eventualmente esvaziam o poder de um rival ou comprometem sua imagem perante a liderança.


Nas disputas corporativas contemporâneas, quem controla a narrativa detém vantagem significativa. O controle sobre a interpretação dos fatos pode transformar resultados modestos em conquistas extraordinárias ou grandes avanços em desenvolvimentos insignificantes, dependendo de quem os apresenta.


A Cegueira do Rei: Quando a Confiança Vira Cortina


No teatro corporativo, o “rei” é muitas vezes um líder cercado por sua corte de confiança: assessores próximos, diretores que estão há anos ao seu lado, executivos que compartilham do seu estilo de pensar — ou que aprenderam a mimetizá-lo com perfeição. A esses, ele delega, ouve com mais atenção, consulta em momentos chave. Eles têm acesso à sua agenda, ao seu humor e à sua visão estratégica. E é justamente aí que mora o perigo.


Como o rei vai perceber as falhas da liderança emergente se as informações chegam sempre filtradas pelos que querem manter o status atual? A armadilha da confiança cega está justamente na ilusão de que “a lealdade protege”. E sim, protege, mas às vezes não está olhando o bem do reino corporativo. E não é que o rei seja ingênuo. É que o jogo é feito de pequenas micro ações, de gestos que não deixam rastros. De tanto conviver com essas pessoas, ele naturaliza seus vieses. A lealdade construída com base na conveniência se confunde com verdadeira amizade.


O Inimigo do Reino Não É Quem Discorda, Mas Quem Se Cala e Sorri


O rei moderno tende a temer os que o confrontam, quando, na verdade, são esses que mantêm viva a saúde institucional. Já os “fiéis de fachada” criam a paz do cativeiro: um ambiente onde tudo parece harmonioso, mas onde a diversidade de ideias, a inovação e a ousadia silenciosamente morrem.


Aos poucos, bons profissionais são minados, se afastam, ou são silenciados. E o rei? O rei lamenta a perda, mas não entende as causas reais — pois foram moldadas por vozes em quem ele confiava demais.


A Redenção do Rei: Quebrar o Espelho


Um bom líder precisa, de tempos em tempos, quebrar o espelho em que se olha e perguntar:


“Esses que sempre me apoiam, me ajudam a crescer — ou me impedem de ver o que está mudando?”


O reconhecimento dessas dinâmicas não significa necessariamente endossá-las ou perpetuá-las. Pelo contrário, compreender as mecânicas das intrigas organizacionais pode ser o primeiro passo para construir ambientes mais sonoros e produtivos. A consciência dos custos humanos e organizacionais desse jogo – estresse, desgaste emocional, perda de talentos, destruição da confiança – deve motivar lideranças a estabelecer contrapesos eficazes.


As organizações que conseguem equilibrar a concorrência interna com culturas de colaboração substantiva terão vantagens significativas num mundo onde a inovação e a adaptabilidade tornam-se cada vez mais cruciais.


Para o profissional individual, a consciência dessas dinâmicas representa um dilema ético e prático: participar ativamente do jogo político, abstendo-se completamente dele (com os riscos associados), ou encontrar um caminho intermediário que preserve tanto sua integridade quanto suas possibilidades de crescimento.

 
 
 

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