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Pilha de compartimentos

E se? (a terra fosse plana)

E se... absolutamente tudo fosse só coincidência?


E se, por exemplo, os tarifaços de Donald Trump — anunciados com a sutileza de um elefante adentrando um templo budista — tivessem sido apenas o fruto de um pensamento econômico profundamente espontâneo e nacionalista, e não, jamais, um roteiro meticulosamente cronometrado para favorecer operações financeiras bilionárias feitas minutos antes de seus anúncios?


E se os analistas do New York Times, da Bloomberg, da CNBC e até mesmo alguns cartomantes menos ortodoxos não estivessem apenas revelando uma estranha simetria entre decisões políticas abruptas e movimentações financeiras oportunas, mas sim exagerando, como bons alarmistas liberais que não sabem o valor de uma boa inside information? Vai ver é tudo empatia confidencial e patriótica entre pares e não telepatia.


Aliás, e se a história for ainda mais encantadora?


E se esse curioso fenômeno — de decisões políticas gerarem lucros estrondosos para figuras próximas a grupos políticos — fosse na verdade um feliz acaso capitalista, tipo um golpe de sorte que só acontece com quem escutou algo do ascensorista, que escutou algo de um segurança, que escutou algo de um caucasiano tem boas conexões, bons advogados e uma vaga no G20?


Porque, vejamos, se alguém fizesse uma operação financeira gigantesca momentos antes de um anúncio geopolítico com impacto certo sobre moedas e bolsas, o mais racional seria presumir: “Ah, claro, foi apenas uma análise técnica, baseada em Fibonacci, bandeira de baixa e um pouco de intuição de pai de santo.” Nada de suspeitas. Somados são bilhões de nada, nem dá para comprar e distribuir Mounjaro pra classe média tão desejosa do efeito agônico e antagônico de enriquecer e emagrecer.


Agora, vamos ao prato quente: Brasil, terra do samba, da caipirinha, do futebol de ricos atletas que tem até batmóvel e — por que não? — de operações financeiras igualmente oportunas.


Na véspera do julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre operações de dólar futuro ligadas a informações privilegiadas, movimentações estimadas em 3 bilhões de reais foram identificadas em contratos com alavancagem anabolizada por testosterona de Chicago. Resultado? Lucros robustos, aparentemente imunes ao risco, com precisão de cirurgião plástico em reality show.


A Procuradoria não entendeu. O Banco Central também não. A CVM bocejou. E o Supremo, com sua discrição típica, decidiu que não havia como supor dolo, advinhar intenção ou até mesmo sinapse. Apenas uma coincidência. O mesmo tipo de coincidência que transforma decisões políticas em segredos do fim do arco-íris no mundo das finanças globais.


Mas — e se — isso fosse parte de um padrão?


E se os lucros gerados por essas operações não fossem apenas oportunidades de mercado, mas mecanismos estratégicos para comprar camisas verde amarelas, notebooks ou mesmo alimentar os tanques financeiros dos grupos ideológicos mais extremados do planeta? Não seria prático? Sustentável? Genial até?


Imagine você um partido de viés afetado, meio machista, disfarçadamente misógeno e homofóbico, pouco afeito a regulação, e muito afeito a acrobacias milionárias em picadeiros de emendas, descobrindo que pode usar a volatilidade criada por seus próprios discursos como combustível para uma máquina de enriquecimento instantâneo. Um tipo de self-funding financeiro moralmente flexível, para não dizer autocanibalismo ideológico.


E se Trump, Salvini, Orbán, Milei, Bolsonaro e seus primos tropicais tivessem, cada um a seu modo, descoberto que “perturbar mercados” pode ser mais lucrativo que governar?


E se, no Brasil, a lógica tivesse sido testada com um toque de flambagem verde-amarela?


Ora, um anúncio de pânico aqui, uma denúncia de “fraude institucional” acolá, e voilà: lucros em dólar futuro, sem qualquer relação com fundamentos econômicos, mas em perfeita harmonia com a coreografia do caos político.


Não estamos dizendo que foi isso. Mas — e se?


E se o STF, ao decidir que não havia crime nas operações de dólar associadas a anúncios previsíveis (e depois negados), apenas estivesse sinalizando que a nova fronteira do capitalismo brasileiro é o "lucro performático"?


Afinal, para que leis contra uso de informação privilegiada, se basta agir com a mesma espontaneidade de quem compra guarda-chuva depois que sente o primeiro pingo de chuva? Coincidência é o novo compliance.


E se isso servir, por tabela, para manter vivo o caixa político dos mesmos grupos que gritam por liberdade de expressão e portam armas, arminhas e armões em manifestações pela moral cristã?


E se estivermos diante do surgimento de um novo modelo político-econômico: o day trade ideológico?


Com ele, qualquer extremista com acesso ao script político pode, ao mesmo tempo, fazer oposição, criar crise, apostar no caos e faturar alto. Um plano perfeito, se não fosse escandalosamente subserviente à dúvida e nada evidente.


Mas talvez estejamos apenas sendo paranoicos. Talvez tudo seja apenas uma sucessão de acasos, como aquele nosso amigo deputado que queria aquela diretoria da Petrobrás que "fura poço", ou o outro que ganhava na loteria três vezes por semana, ou o sobrinho de mais um outro representante do nosso eleitorado apenas 50% democrata, que passou em primeiro lugar no concurso da Receita.


Ainda assim, vale perguntar: e se?


E se a democracia não estiver sendo minada por ameças de grosso calibre, ou tanques, ou fakes, mas por planilhas de Excel?


E se o futuro do autoritarismo for um terminal Bloomberg operado por analistas disfarçados de patriotas?


E se o que chamamos de “estratégia de mercado” for, na verdade, a nova torta de banana geopolítica de uma extrema-direita globalizada, que aprendeu a usar sua superinteligência esquemática contra ele mesmo — enquanto grita por liberdade, e deglute soberania, esbraveja moral e não sabe bem o que são bons costumes?


E se nós, os cidadãos, formos apenas os bobos da corte dessa comédia de alta frequência, assistindo ao espetáculo do cinismo com pipoca vencida?


Não sabemos. Só sabemos que os mesmos que falam em “salvar a pátria” costumam ser muito bons em salva de tiros, salva de pneus e salva de apelos a ETs.


Mas vai ver, é só mais uma coincidência.


Ou não.

 
 
 

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