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Pilha de compartimentos
Foto do escritorSylvio Nunes

TEATRO DE SOMBRAS


A dinâmica dos fatos políticos em tempos de Lava-Jato segue de forma histriônica e espalhafatosa sem que se saiba precisar quais os diversos objetivos por trás de cada ato, de cada cena e de cada notícia no caudal de matérias expostas pela grande mídia.


Por maiores que sejam as evidências de que o processo fugiu ao controle dos setores alinhados com o golpe, e, de modo colateral, os que se beneficiam com as medidas de política financeira advindas com as aprovações da reforma da previdência e trabalhista, sabemos todos que existem inúmeros segmentos movidos pela cólera. Movidos ou conduzidos à ela. E sucessivamente submergidos numa cadeia de ações e reações que retroalimentam o embate.


O pavio curto da ética, esse conceito tão sublimado pelas versões populistas e sensacionalistas, encaixa-se como uma luva na estratégia conservadora. No rastilho de uma saraivada de medidas que causam estrondos acachapantes sobre a renda das classes "baixas", não se escuta o barulho real das medidas e atos de entrega de setores estratégicos, de novos marcos regulatórios na exploração do petróleo, na caravana de concessões feitas a empresas internacionais. Isso tudo posto num cenário de descontrução moral da política de mãos dadas com grandes empresas do setor nacional de construção pesada.


O que impresiona sobremaneira neste grande cenário é o conjunto cênico e a força dramatúrgica das declarações, denúncias, exposições, imagens de fundo nos noticiários, etc. A mixórdia imagética, na acelerada e espetaculosa tarefa de representar os sons da Bastilha, reproduz, sem análise, informação massiva, seletiva e serial emanada pelo Ministério Público e apurada através de entrevistas de corredores.


Para muito além do jardim, e descontando as verdades irrefutáveis ou deduzíveis do ambiente deletério em que se dava e continuará a se dar, o jogo político, prevalece seletividade no que tange a ação nitidamente persecutória das figuras icônicas da gestão Lula e Dilma. O que quero dizer, é que não importa o número de malfeitores dentro do governo, ou do PT, simplesmente porque as bases do sistema político estabelecem os pactos necessários de sustentação de qualquer governo com a legislação que dispomos. Foi assim no Governo Lula, no Governo Fernando Henrique Cardoso e está sendo assim no ilegítimo Governo Temer. Com a diferença de que agora não só as quadrilhas subjacentes ocuparam os principais cargos do governo, mas também uma extensiva e abrangente liderança atrasada, autoritária e inepta.


Mesmo com as cabeças de altos representantes de outros partidos a prêmio, o noticiário NÃO consegue ver e compreender como é de fato a estrutura da corrupção no Brasil. Simplesmente transforma o que publica em dramaturgia e fomenta um caça as bruxas sem precedentes. Ou seja, faz do "povo", essa mistura abstrata e complexa de nossa sociedade, vítima sofrida e inocente de qualquer um que seja denunciado, com ênfase nas lideranças do Governo Lula e Dilma, e defendem qualquer posição autoritária do MP, transformando a ação necessária de combate à corrupção num arquétipo dissimulado dos antigos tribunais de inquisição.


Quem viu as Bruxas de Blair sabe do que estou falando. Sabe como se fomenta a ira do populacho contra aqueles que são expostos como troféus. Sabe como dentre bem intencionados e garantistas existem os conspiradores e moralistas. Sabe como tornar pictórico um fato em fase de apuração. Sabem como dar close e sabor à uma cena enquanto operam os mecanismos através do qual se safarão. É um jogo eivado de enigmas construídos à sombra de uma superestrutura jurídico-política.


O importante de uma leitura antidramatúrgica dos fatos, é poder distinguir como funcionam os governos de coalisão no Brasil frente os imperativos dos setores macroeconômicos e sua influência, ao mesmo tempo regulatória e cúmplice, na estruturação do modelo de desenvolvimento e distribuição da renda nacional. E tais modelos sofrem da penintência de ter que ser negociado entre forças antagônicas, parte progressitas, parte atrasadas. No meio disso está nossa república, uma grande mãe que compreende a ingenuidade do seu povo, mas é uma frágil inquilina do capitalismo, tanto o privado, quanto o de Estado.


A questão que não se pode evitar é que em seu ventre habitam o estado de direito, a democracia e seu viés concernente o povo, seja ele a elite, os empresários, os oligarcas, a classe A e os lobistas ou, por outro lado, a chusma, a ralé, os indigentes, os pivetes, os camelôs, os sindicatos e organizações sociais.


Assim, não importa o quanto de esforço para se esconder o teatro e fazer parecer tudo natural, não importa querer parecer espontânea a verdade ou as mentiras que se mascaram no discursivo e no simbólico, porque os organismos sempre se insurgem contra os "corpos estranhos" (estranhos no sentido de não serem facilmente decifráveis). Sempre será possível entrever as cortinas o adentrar ao palco, reinterpretar o texto e transformar-se.


Vivendo o que muitos supõe ser nossa pior crise, já se pode perceber que estamos num teatro de sombras, já entrevemos os aspectos funcionais dela e as contradições daqueles que tentam superficializar as explicações com moralismos cênicos.


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